Espelho de uma geração: o Ultrafragola de Sottsass na QuartoSala
Ícone do Design Pós-Moderno, o espelho Ultrafragola permanece tão hipnótico hoje como quando Ettore Sottsass o desenhou, em 1970, para a marca italiana Poltronova.
Gabriel Tan é uma voz singular no panorama do design internacional. Fundador da Origin Made, marca nascida da proximidade com artesãos portugueses, coloca o saber-fazer no centro da criação e assume o ofício como ponte entre culturas. Entre colaborações com marcas globais e projetos que unem técnicas ancestrais às exigências da vida contemporânea, o designer defende uma ética assente na cultura, colaboração e reflexão. Em conversa, dialoga sobre o seu despertar para o Design ainda na Marinha de Singapura, a vivência com artesãos locais e da ambição de criar peças intemporais que unam o gesto do criador à experiência íntima de quem as acolhe.
Design em Lisboa: O que o atraiu primeiramente para o design?
Gabriel Tan: Aconteceu no lugar mais improvável, quando tinha 19 anos e estava a treinar para ser oficial de combate naval na Marinha de Singapura. Enquanto os meus colegas passavam as noites ao telefone com as suas namoradas e famílias, eu lia livros de design que tinha descoberto na biblioteca pública. Charles e Ray Eames, Alvar Aalto e Sori Yanagi foram alguns dos designers sobre os quais li e que me abriram um novo mundo.
Em criança, tinha uma obsessão pela arte, mas mais tarde optei por me dedicar ao desporto durante o liceu. Ler estes livros de design reavivou uma fome criativa que já tinha esquecido. Decidi que era isso que queria fazer na vida e, eventualmente, deixei a Marinha para me inscrever numa escola de design.
DL: Como é que o seu contexto singapurense influencia o seu trabalho?
GT: Ser singapurense significa que, de certa forma, não carrego o peso de uma tradição de design com séculos de história. Isso pode ser libertador, porque não há uma expectativa sobre o que os designers de Singapura devem criar. Podemos explorar qualquer território do design sem estarmos excessivamente condicionados pela herança.
Singapura é também, fundamentalmente, sobre intersecção cultural. Cresci rodeado por influências chinesas, malaias, indianas e ocidentais a misturarem-se naturalmente. Isto ensinou-me a ver a colaboração entre culturas como algo normal, não exótico. Quando trabalho com artesãos japoneses para a Ariake ou com artesãos portugueses para a Origin Made, sinto-me à vontade para ser uma ponte entre diferentes mundos.
Valorizar a mão do artesão significa reconhecê-lo como co-criador, não apenas como executor das ideias. Significa também aceitar que o trabalho manual inclui imperfeição — e que há beleza nessa imperfeição.
DL: Porque é que sentiu necessidade de criar a Origin Made e o que a torna diferente?
GT: Muitas marcas produzem os seus objetos noutro país mas contam a sua história com base na própria identidade cultural. Embora compreenda a necessidade da subcontratação, o fosso que existe entre o local onde as peças são feitas e a forma como são apresentadas incomodava-me, porque havia falta de transparência no setor.
A Origin Made coloca o artesão em primeiro plano. Contamos histórias honestas sobre a origem dos produtos e damos o devido crédito às pessoas que os fazem. Quando trabalhamos com o João Lourenço em cerâmica de “Barro Preto”, o seu nome e a sua história são tão importantes como o design.
O que torna a Origin Made diferente é o compromisso em elevar o artesanato. Vivo a menos de uma hora de carro da maioria dos artesãos com quem colaboramos. Posso partilhar uma refeição com eles, conhecer as suas histórias familiares e aprender sobre as suas técnicas. Essa proximidade cria objetos que respeitam a tradição, mas que, através do design, ganham formas contemporâneas capazes de responder às necessidades do quotidiano moderno.
DL: O artesanato é central no seu trabalho. O que significa valorizar verdadeiramente a mão do artesão?
GT: Valorizar a mão do artesão significa reconhecê-lo como co-criador, não apenas como executor das ideias. Significa também aceitar que o trabalho manual inclui imperfeição — e que há beleza nessa imperfeição. A produção industrial procura a repetição idêntica, enquanto o artesanato cria variações subtis que transportam a personalidade do criador. Essa é a essência do trabalho artesanal e da Origin Made.
Valor também significa compensação justa; não “apertamos” os nossos artesãos, mas vemos neles parceiros valiosos. Construímos relações de longo prazo com eles, que lhes permitem planear o futuro com base nas nossas colaborações e, assim, atrair novas gerações para ofícios que, de outra forma, poderiam desaparecer.
DL: O que faz um objeto ser bem trabalhado?
GT: Um objeto bem trabalhado resulta do encontro entre design, artesanato e material. Funciona bem na sua simplicidade. É possível sentir as decisões humanas na forma, perceber como foi resolvida uma junção, porque é que uma curva termina onde termina, e como foi finalizada a superfície.
Em termos materiais, os objetos bem feitos melhoram com o tempo; a pátina desenvolve carácter e acrescenta valor à peça.
DL: No seu processo criativo, como navega entre a herança e a inovação?
GT: Começo por compreender a técnica tradicional: como funciona, porque evoluiu daquela forma, que problemas procurava resolver e que valores culturais carrega. Esse conhecimento garante que a nossa intervenção não distorce o que tornou a técnica valiosa originalmente.
Depois procuro necessidades contemporâneas que a técnica possa responder de maneira diferente. A cerâmica de Barro Preto, por exemplo, era tradicionalmente usada em utensílios de cozinha e recipientes de armazenamento. Mas a beleza da sua superfície irregular em tons preto-cinza pode ser aplicada em formas modernas. Foi assim que concebi os Charred Vases, vasos contemporâneos e escultóricos, que permitem arranjos florais pouco usuais em ambientes modernos. A chave está em inovar sem perder a essência da tradição.
DL: Trabalha com diferentes artesãos. O que procura nestas colaborações?
GT: Curiosidade, antes de mais. Procuro artesãos interessados em ultrapassar os próprios limites, não apenas em repetir padrões aprendidos. Também procuro quem entenda profundamente o seu material, ao ponto de prever como mudanças influenciam o processo e o resultado. Esse conhecimento possibilita inovação significativa.
E, sobretudo, procuro abertura ao diálogo. As melhores colaborações nascem de conversas em que ambos aprendemos algo novo.
DL: O que lhe ensinaram as técnicas tradicionais que o design contemporâneo muitas vezes esquece?
GT: Paciência. As técnicas tradicionais evoluíram ao longo de séculos porque os artesãos tinham tempo para experimentar, falhar e aperfeiçoar. O design contemporâneo muitas vezes apressa-se a chegar ao mercado, sem essa exploração profunda.
DL: Como é que estar estabelecido em Portugal molda a sua visão?
GT: Portugal tem uma concentração incrível de ofícios tradicionais num território pequeno. Numa área de 150 km em torno do Porto encontro cerâmica, cortiça, tecelagem, mobiliário, cantaria, entre outros — muitos com séculos de história e até reconhecimento da UNESCO.
O ritmo em Portugal também favorece relações mais profundas. Em Singapura, tudo acontece a grande velocidade e as pessoas raramente têm tempo para dedicar umas às outras. Aqui posso passar tardes inteiras com os artesãos, a compreender os processos.
Esse tempo gera confiança e permite colaborações mais ousadas.
DL: Num mundo de design global, porque continua a ser relevante a origem?
GT: Compreender a “origem” de uma peça dá-lhe um significado para lá da função. Por exemplo, quem possui um Charred Vase da Origin Made está ligado a séculos de tradição portuguesa do Barro Preto, a paisagens específicas, a materiais concretos e a um saber humano particular. Conhecer o nome da pessoa que fez o objeto também é importante, porque cria uma relação mais profunda entre o humano e o objeto.
A eficiência e a produção em massa podem tornar os objetos alienantes, ao ponto de deixarmos de nos importar com a sua proveniência. Mas precisamos dessa ligação ao lugar e ao processo. Entender a origem de um objeto dá-nos esse enraizamento num mundo acelerado e torna-nos consumidores mais conscientes.
DL: O que espera que as pessoas sintam ao investir numa peça da Origin Made?
GT: Espero que sintam uma ligação à peça que levam para casa, não apenas pela sua estética inicial, mas também pela ligação às mãos que a criaram, ao lugar de onde vem e às tradições que representa.
Espero que sintam calma e contemplação. As peças da Origin Made são feitas em pequenas séries pelas mãos experientes de artesãos qualificados. São peças feitas lentamente, de forma refletida. Gostava que, ao olharem para uma peça Origin Made em casa, as pessoas fizessem uma pausa e apreciassem a materialidade e a beleza que ela transporta.
Temos uma equipa editorial interna que entrevista os nossos artesãos e partilha as suas histórias no nosso site, nas nossas publicações impressas e nas newsletters.
Queremos que os clientes leiam esse conteúdo, antes ou depois de adquirirem uma peça, para valorizarem ainda mais o que têm em mãos.
DL: Fora do design, onde encontra a inspiração que alimenta a sua criatividade?
GT: Viajar e ter novas experiências recarrega-me. Gosto de percorrer cidades novas, observar pessoas e espaços, e pensar em como culturas diferentes resolvem os mesmos problemas de formas distintas.
Também adoro desporto e interesso-me em aprender sobre atletas de elite: como treinam e que mentalidade desenvolvem para serem os melhores.
DL: Se tivesse de descrever a sua filosofia de design em três palavras, quais seriam?
GT: Cultura, Colaboração, Reflexão.
O entendimento cultural informa o meu design, que resulta em colaborações genuínas com comunidades artesanais locais, celebrando modos tradicionais de fazer.
A colaboração gera as melhores ideias e objetos, porque emergem da compreensão de múltiplas perspetivas.
E acredito que o bom design cria momentos de reflexão e contemplação nas nossas vidas agitadas, permitindo-nos abrandar, recarregar energias e sentir-nos melhor.
Espero demonstrar que o saber do artesão é tão valioso quanto a visão do designer. Se conseguirmos provar que esta abordagem colaborativa produz melhores objetos e comunidades mais sustentáveis, esse seria um legado digno de deixar.
DL: Pode falar-nos mais sobre a colaboração com a QuartoSala?
GT: A QuartoSala atua como um curador de design e um tastemaker. Quando cheguei a Portugal, ouvi falar deles e visitei a loja do Príncipe Real, em Lisboa, onde fiquei muito impressionado com a sua curadoria. Alguns dos nossos produtos para a B&B Italia e a Audo Copenhagen já eram vendidos na QuartoSala, e por isso decidi contactar o Pedro e o Clemente.
Eles compreendem o design, o artesanato e a herança, e querem apresentar marcas com estas qualidades de forma autêntica ao seu público. Mais tarde, viram o nosso trabalho da Origin Made na Lisboa by Design e a conversa evoluiu naturalmente. É um prazer colaborar com a equipa da QuartoSala, e acreditamos que esta parceria nos ajudará a chegar a mais pessoas em Lisboa e em Portugal que valorizam o design e as aplicações contemporâneas de técnicas tradicionais.
DL: Que futuro sonha para a Origin Made?
GT: Gostaria que a Origin Made expandisse a sua rede de artesãos colaboradores pela Europa e, eventualmente, noutras regiões ricas em tradição artesanal no mundo. Para mim, a cultura do artesanato não deve ser vista como territorial, mas como uma parte essencial da humanidade e da nossa evolução enquanto espécie.
Através da Origin Made, queremos levar artesanato tradicional para as casas de mais pessoas. Quero continuar a trabalhar com artesãos de várias partes do mundo, trazendo formas modernas a modos de fazer centenários, capazes de responder às exigências dos interiores contemporâneos.
Se a Origin Made conseguir provar que este modelo funciona comercialmente, poderá atrair uma nova geração para o artesanato e permitir que estas práticas floresçam.
A longo prazo, quero expandir esta abordagem a outros países, sempre com o mesmo princípio: colaboração profunda, e não extração cultural.
DL: Se a Origin Made pudesse deixar um legado no design, qual gostaria que fosse?
GT: Que designer e artesão podem ser parceiros iguais na criação de algo que nenhum dos dois conseguiria alcançar sozinho. Muitas vezes o design encara o artesanato apenas como execução de ideias. Espero demonstrar que o saber do artesão é tão valioso quanto a visão do designer.
Se conseguirmos provar que esta abordagem colaborativa produz melhores objetos e comunidades mais sustentáveis, esse seria um legado digno de deixar.
Gabriel Tan
Gabriel Tan é um designer singapurense estabelecido em Portugal, reconhecido pela sua abordagem sensível e colaborativa ao design contemporâneo. Fundador dos estúdios Gabriel Tan Studio e Origin Made, construiu uma linguagem estética onde tradição e inovação coexistem de forma harmoniosa. O seu trabalho distingue-se pela valorização do saber-fazer e pelo diálogo entre culturas, refletindo uma visão cosmopolita que une design, artesanato e sustentabilidade. Ao longo da sua carreira, colaborou com marcas internacionais como B&B Italia, Audo Copenhagen e Ariake, e o seu trabalho tem sido destacado em publicações de referência. Em Portugal, através da Origin Made, estabelece pontes com a herança artesanal local, criando peças intemporais que celebram a matéria, as mãos e as histórias que lhes dão forma.













Gabriel Tan é uma voz singular no panorama do design internacional. Fundador da Origin Made, marca nascida da proximidade com artesãos portugueses, coloca o saber-fazer no centro da criação e assume o ofício como ponte entre culturas. Entre colaborações com marcas globais e projetos que unem técnicas ancestrais às exigências da vida contemporânea, o designer defende uma ética assente na cultura, colaboração e reflexão. Em conversa, dialoga sobre o seu despertar para o Design ainda na Marinha de Singapura, a vivência com artesãos locais e da ambição de criar peças intemporais que unam o gesto do criador à experiência íntima de quem as acolhe.



Design em Lisboa: O que o atraiu primeiramente para o design?
Gabriel Tan: Aconteceu no lugar mais improvável, quando tinha 19 anos e estava a treinar para ser oficial de combate naval na Marinha de Singapura. Enquanto os meus colegas passavam as noites ao telefone com as suas namoradas e famílias, eu lia livros de design que tinha descoberto na biblioteca pública. Charles e Ray Eames, Alvar Aalto e Sori Yanagi foram alguns dos designers sobre os quais li e que me abriram um novo mundo.
Em criança, tinha uma obsessão pela arte, mas mais tarde optei por me dedicar ao desporto durante o liceu. Ler estes livros de design reavivou uma fome criativa que já tinha esquecido. Decidi que era isso que queria fazer na vida e, eventualmente, deixei a Marinha para me inscrever numa escola de design.
DL: Como é que o seu contexto singapurense influencia o seu trabalho?
GT: Ser singapurense significa que, de certa forma, não carrego o peso de uma tradição de design com séculos de história. Isso pode ser libertador, porque não há uma expectativa sobre o que os designers de Singapura devem criar. Podemos explorar qualquer território do design sem estarmos excessivamente condicionados pela herança.
Singapura é também, fundamentalmente, sobre intersecção cultural. Cresci rodeado por influências chinesas, malaias, indianas e ocidentais a misturarem-se naturalmente. Isto ensinou-me a ver a colaboração entre culturas como algo normal, não exótico. Quando trabalho com artesãos japoneses para a Ariake ou com artesãos portugueses para a Origin Made, sinto-me à vontade para ser uma ponte entre diferentes mundos.
Valorizar a mão do artesão significa reconhecê-lo como co-criador, não apenas como executor das ideias. Significa também aceitar que o trabalho manual inclui imperfeição — e que há beleza nessa imperfeição.


DL: Porque é que sentiu necessidade de criar a Origin Made e o que a torna diferente?
GT: Muitas marcas produzem os seus objetos noutro país mas contam a sua história com base na própria identidade cultural. Embora compreenda a necessidade da subcontratação, o fosso que existe entre o local onde as peças são feitas e a forma como são apresentadas incomodava-me, porque havia falta de transparência no setor.
A Origin Made coloca o artesão em primeiro plano. Contamos histórias honestas sobre a origem dos produtos e damos o devido crédito às pessoas que os fazem. Quando trabalhamos com o João Lourenço em cerâmica de “Barro Preto”, o seu nome e a sua história são tão importantes como o design.
O que torna a Origin Made diferente é o compromisso em elevar o artesanato. Vivo a menos de uma hora de carro da maioria dos artesãos com quem colaboramos. Posso partilhar uma refeição com eles, conhecer as suas histórias familiares e aprender sobre as suas técnicas. Essa proximidade cria objetos que respeitam a tradição, mas que, através do design, ganham formas contemporâneas capazes de responder às necessidades do quotidiano moderno.
DL: O artesanato é central no seu trabalho. O que significa valorizar verdadeiramente a mão do artesão?
GT: Valorizar a mão do artesão significa reconhecê-lo como co-criador, não apenas como executor das ideias. Significa também aceitar que o trabalho manual inclui imperfeição — e que há beleza nessa imperfeição. A produção industrial procura a repetição idêntica, enquanto o artesanato cria variações subtis que transportam a personalidade do criador. Essa é a essência do trabalho artesanal e da Origin Made.
Valor também significa compensação justa; não “apertamos” os nossos artesãos, mas vemos neles parceiros valiosos. Construímos relações de longo prazo com eles, que lhes permitem planear o futuro com base nas nossas colaborações e, assim, atrair novas gerações para ofícios que, de outra forma, poderiam desaparecer.
DL: O que faz um objeto ser bem trabalhado?
GT: Um objeto bem trabalhado resulta do encontro entre design, artesanato e material. Funciona bem na sua simplicidade. É possível sentir as decisões humanas na forma, perceber como foi resolvida uma junção, porque é que uma curva termina onde termina, e como foi finalizada a superfície.
Em termos materiais, os objetos bem feitos melhoram com o tempo; a pátina desenvolve carácter e acrescenta valor à peça.



DL: No seu processo criativo, como navega entre a herança e a inovação?
GT: Começo por compreender a técnica tradicional: como funciona, porque evoluiu daquela forma, que problemas procurava resolver e que valores culturais carrega. Esse conhecimento garante que a nossa intervenção não distorce o que tornou a técnica valiosa originalmente.
Depois procuro necessidades contemporâneas que a técnica possa responder de maneira diferente. A cerâmica de Barro Preto, por exemplo, era tradicionalmente usada em utensílios de cozinha e recipientes de armazenamento. Mas a beleza da sua superfície irregular em tons preto-cinza pode ser aplicada em formas modernas. Foi assim que concebi os Charred Vases, vasos contemporâneos e escultóricos, que permitem arranjos florais pouco usuais em ambientes modernos. A chave está em inovar sem perder a essência da tradição.
DL: Trabalha com diferentes artesãos. O que procura nestas colaborações?
GT: Curiosidade, antes de mais. Procuro artesãos interessados em ultrapassar os próprios limites, não apenas em repetir padrões aprendidos. Também procuro quem entenda profundamente o seu material, ao ponto de prever como mudanças influenciam o processo e o resultado. Esse conhecimento possibilita inovação significativa.
E, sobretudo, procuro abertura ao diálogo. As melhores colaborações nascem de conversas em que ambos aprendemos algo novo.
DL: O que lhe ensinaram as técnicas tradicionais que o design contemporâneo muitas vezes esquece?
GT: Paciência. As técnicas tradicionais evoluíram ao longo de séculos porque os artesãos tinham tempo para experimentar, falhar e aperfeiçoar. O design contemporâneo muitas vezes apressa-se a chegar ao mercado, sem essa exploração profunda.
DL: Como é que estar estabelecido em Portugal molda a sua visão?
GT: Portugal tem uma concentração incrível de ofícios tradicionais num território pequeno. Numa área de 150 km em torno do Porto encontro cerâmica, cortiça, tecelagem, mobiliário, cantaria, entre outros — muitos com séculos de história e até reconhecimento da UNESCO.
O ritmo em Portugal também favorece relações mais profundas. Em Singapura, tudo acontece a grande velocidade e as pessoas raramente têm tempo para dedicar umas às outras. Aqui posso passar tardes inteiras com os artesãos, a compreender os processos.
Esse tempo gera confiança e permite colaborações mais ousadas.
DL: Num mundo de design global, porque continua a ser relevante a origem?
GT: Compreender a “origem” de uma peça dá-lhe um significado para lá da função. Por exemplo, quem possui um Charred Vase da Origin Made está ligado a séculos de tradição portuguesa do Barro Preto, a paisagens específicas, a materiais concretos e a um saber humano particular. Conhecer o nome da pessoa que fez o objeto também é importante, porque cria uma relação mais profunda entre o humano e o objeto.
A eficiência e a produção em massa podem tornar os objetos alienantes, ao ponto de deixarmos de nos importar com a sua proveniência. Mas precisamos dessa ligação ao lugar e ao processo. Entender a origem de um objeto dá-nos esse enraizamento num mundo acelerado e torna-nos consumidores mais conscientes.
DL: O que espera que as pessoas sintam ao investir numa peça da Origin Made?
GT: Espero que sintam uma ligação à peça que levam para casa, não apenas pela sua estética inicial, mas também pela ligação às mãos que a criaram, ao lugar de onde vem e às tradições que representa.
Espero que sintam calma e contemplação. As peças da Origin Made são feitas em pequenas séries pelas mãos experientes de artesãos qualificados. São peças feitas lentamente, de forma refletida. Gostava que, ao olharem para uma peça Origin Made em casa, as pessoas fizessem uma pausa e apreciassem a materialidade e a beleza que ela transporta.
Temos uma equipa editorial interna que entrevista os nossos artesãos e partilha as suas histórias no nosso site, nas nossas publicações impressas e nas newsletters.
Queremos que os clientes leiam esse conteúdo, antes ou depois de adquirirem uma peça, para valorizarem ainda mais o que têm em mãos.
DL: Fora do design, onde encontra a inspiração que alimenta a sua criatividade?
GT: Viajar e ter novas experiências recarrega-me. Gosto de percorrer cidades novas, observar pessoas e espaços, e pensar em como culturas diferentes resolvem os mesmos problemas de formas distintas.
Também adoro desporto e interesso-me em aprender sobre atletas de elite: como treinam e que mentalidade desenvolvem para serem os melhores.
DL: Se tivesse de descrever a sua filosofia de design em três palavras, quais seriam?
GT: Cultura, Colaboração, Reflexão.
O entendimento cultural informa o meu design, que resulta em colaborações genuínas com comunidades artesanais locais, celebrando modos tradicionais de fazer.
A colaboração gera as melhores ideias e objetos, porque emergem da compreensão de múltiplas perspetivas.
E acredito que o bom design cria momentos de reflexão e contemplação nas nossas vidas agitadas, permitindo-nos abrandar, recarregar energias e sentir-nos melhor.


Espero demonstrar que o saber do artesão é tão valioso quanto a visão do designer. Se conseguirmos provar que esta abordagem colaborativa produz melhores objetos e comunidades mais sustentáveis, esse seria um legado digno de deixar.

DL: Pode falar-nos mais sobre a colaboração com a QuartoSala?
GT: A QuartoSala atua como um curador de design e um tastemaker. Quando cheguei a Portugal, ouvi falar deles e visitei a loja do Príncipe Real, em Lisboa, onde fiquei muito impressionado com a sua curadoria. Alguns dos nossos produtos para a B&B Italia e a Audo Copenhagen já eram vendidos na QuartoSala, e por isso decidi contactar o Pedro e o Clemente.
Eles compreendem o design, o artesanato e a herança, e querem apresentar marcas com estas qualidades de forma autêntica ao seu público. Mais tarde, viram o nosso trabalho da Origin Made na Lisboa by Design e a conversa evoluiu naturalmente. É um prazer colaborar com a equipa da QuartoSala, e acreditamos que esta parceria nos ajudará a chegar a mais pessoas em Lisboa e em Portugal que valorizam o design e as aplicações contemporâneas de técnicas tradicionais.
DL: Que futuro sonha para a Origin Made?
GT: Gostaria que a Origin Made expandisse a sua rede de artesãos colaboradores pela Europa e, eventualmente, noutras regiões ricas em tradição artesanal no mundo. Para mim, a cultura do artesanato não deve ser vista como territorial, mas como uma parte essencial da humanidade e da nossa evolução enquanto espécie.
Através da Origin Made, queremos levar artesanato tradicional para as casas de mais pessoas. Quero continuar a trabalhar com artesãos de várias partes do mundo, trazendo formas modernas a modos de fazer centenários, capazes de responder às exigências dos interiores contemporâneos.
Se a Origin Made conseguir provar que este modelo funciona comercialmente, poderá atrair uma nova geração para o artesanato e permitir que estas práticas floresçam.
A longo prazo, quero expandir esta abordagem a outros países, sempre com o mesmo princípio: colaboração profunda, e não extração cultural.
DL: Se a Origin Made pudesse deixar um legado no design, qual gostaria que fosse?
GT: Que designer e artesão podem ser parceiros iguais na criação de algo que nenhum dos dois conseguiria alcançar sozinho. Muitas vezes o design encara o artesanato apenas como execução de ideias. Espero demonstrar que o saber do artesão é tão valioso quanto a visão do designer.
Se conseguirmos provar que esta abordagem colaborativa produz melhores objetos e comunidades mais sustentáveis, esse seria um legado digno de deixar.
Gabriel Tan
Gabriel Tan é um designer singapurense estabelecido em Portugal, reconhecido pela sua abordagem sensível e colaborativa ao design contemporâneo. Fundador dos estúdios Gabriel Tan Studio e Origin Made, construiu uma linguagem estética onde tradição e inovação coexistem de forma harmoniosa. O seu trabalho distingue-se pela valorização do saber-fazer e pelo diálogo entre culturas, refletindo uma visão cosmopolita que une design, artesanato e sustentabilidade. Ao longo da sua carreira, colaborou com marcas internacionais como B&B Italia, Audo Copenhagen e Ariake, e o seu trabalho tem sido destacado em publicações de referência. Em Portugal, através da Origin Made, estabelece pontes com a herança artesanal local, criando peças intemporais que celebram a matéria, as mãos e as histórias que lhes dão forma.