
Matthew Harris da Mateo
Matthew Harris, fundador da marca de Alta-Joalharia Mateo, inclui elementos portugueses nos interiores da sua casa em Lisboa.
- Fotografia Francisco Nogueira
Arquiteto de formação e artista por extensão natural, Antonio Ferreira Junior move-se entre disciplinas com a mesma precisão com que compõe um espaço. Do Brasil para o mundo, o seu trabalho cruza arquitetura, cenografia e pintura numa linguagem visual marcada pela cor, emoção e identidade. Nesta entrevista, fala-nos do processo, das referências e do desafio de criar espaços que vão além da estética – são projetos com alma e permanência.
Design em Lisboa: Como começou o seu percurso nas artes e na arquitetura? Houve um momento-chave que o levou a seguir esse caminho?
Antonio Feirreira Junior: O meu encontro com a arquitetura foi um desses acasos que parecem guiados pelo destino. Estudei Direito, mas não passei — e hoje vejo isso como um acerto do universo. Foi na Arquitetura que, sem planear, descobri a minha verdadeira morada. Logo nas primeiras disciplinas, percebi que havia ali algo que me pertencia: um talento silencioso que despertava, uma paixão que me surpreendia a cada traço. A arte chegou logo depois, como extensão natural desse novo olhar para o mundo. Desde então, arquitetura e arte tornaram-se os dois lados do meu caminho — expressão e construção do que sou e do que sonho.
DL: Trabalha entre várias disciplinas — arquitetura, cenografia, pintura. Como explora essas práticas no seu dia-a-dia? Alguma delas ocupa um lugar central?
AFJ: Trabalhar entre arquitetura, cenografia e pintura é, para mim, como mover-me entre diferentes paisagens da mesma alma. Cada disciplina tem seu tempo e sua linguagem, mas todas se alimentam mutuamente. A arquitetura é meu eixo central — dá-me estrutura, escala e lógica espacial. A cenografia permite-me explorar o efémero, o sensível, o impacto do instante. E a pintura é meu território mais íntimo, onde as ideias tomam forma sem limites, quase como respiração. No dia a dia, essas práticas se entrelaçam: às vezes, um cenário nasce de um esboço pictórico; outras vezes, uma fachada carrega algo de teatral. Gosto de pensar que, no fundo, todas são formas de contar histórias com espaço, luz e cor.
DL: Que referências mais marcaram o seu olhar — na arte, no design ou na arquitetura? Há nomes ou movimentos que considera estruturantes no seu trabalho?
AFJ: Carrego muitas referências — algumas conscientes, outras quase invisíveis, mas que moldam meu olhar. Na arquitetura, sou profundamente tocado pela obra de Lina Bo Bardi, por sua maneira sensível de unir matéria, cultura e afeto. Também me influenciam os gestos espaciais de Álvaro Siza e a poética silenciosa de Tadao Ando. Na arte, me fascina a liberdade de Hélio Oiticica, a densidade emocional de Rothko e a força narrativa de artistas contemporâneos latino-americanos. Na cenografia, sou inspirado por aqueles que conseguem criar mundos com poucos elementos — onde a luz, o vazio e o detalhe contam mais que a grandiosidade. Não sigo um movimento específico, mas sou guiado por aquilo que provoca sentido, que revela a beleza do essencial e o poder do espaço como linguagem.
DL: Como descreveria a sua abordagem ao design de interiores? O que procura criar quando pensa em um espaço?
AFJ: Minha abordagem ao design de interiores começa com escuta. Procuro entender o desejo de morar do meu cliente — o que ele sonha, o que o move, o que deseja sentir ao habitar. A partir disso, meu papel é transformar esse sonho em realidade, respeitando e valorizando seu acervo, suas histórias e seus afetos. Acredito que o lar deve refletir quem ali vive, e não apenas uma estética idealizada. Gosto de criar espaços com alma, onde cada escolha faz sentido e carrega algo de pessoal. É nesse diálogo entre o essencial e o emocional que nasce um ambiente verdadeiro — funcional, belo e cheio de identidade.
DL: A materialidade, a luz, a cor — são elementos essenciais no seu trabalho. Por onde começa quando desenha um novo projeto?
AFJ: A minha assinatura está profundamente ligada à cor e ao mobiliário moderno brasileiro — são elementos que atravessam meu trabalho e que revelam minha identidade estética. Já na primeira entrevista com o cliente, procuro introduzir essas referências, sempre com sensibilidade, buscando compreender como elas podem dialogar com outras linguagens contemporâneas. Para mim, o desafio e a beleza do projeto estão justamente nesse equilíbrio: conciliar o afeto pela tradição com a fluidez do presente. É essa harmonia entre o clássico e o atual que confere aos meus projetos um resultado intemporal — onde cada espaço carrega história, mas também respira o agora.
DL: A emoção tem um papel importante no seu processo criativo. Como equilibra intuição e funcionalidade nos espaços que projeta?
AFJ: “A emoção está sempre presente no meu processo criativo — é o que dá sentido ao espaço, o que transforma a arquitetura em experiência. Mas ela não existe sem função: a beleza só é completa quando serve bem a quem habita. Procuro equilibrar intuição e funcionalidade ouvindo o espaço e quem vai vivê-lo. Às vezes, uma ideia nasce de um sentimento ou de uma memória trazida pelo cliente — e é a partir disso que desenho, organizo, dou forma. A técnica, a proporção, o conforto são ferramentas que uso para que essa emoção não se perca, mas se materialize de forma precisa. No fim, o que busco é criar espaços que toquem — que sejam belos, sim, mas sobretudo verdadeiros.
A arquitetura foi onde descobri minha verdadeira morada — um talento silencioso que despertava, uma paixão que me surpreendia a cada traço.
DL: A coleção Aquarius, para a Punto e Filo, parte de pinturas suas. Como surgiu essa ideia de transformar telas em tapeçarias e tapetes?
AJF: A coleção Aquarius nasceu de um processo muito intuitivo. Comecei pintando aquarelas, sem ainda imaginar que poderiam se transformar em objetos para o espaço. Quando compartilhei essas obras com a Punto e Filo, eles me disseram que, tecnicamente, seria possível traduzi-las tanto em tapetes quanto em tapeçarias de parede. A ideia me encantou de imediato. Sempre acreditei que a arte não precisa ficar restrita às paredes — ela pode ser vivida, pisada, tocada, integrada ao cotidiano. Assim, Aquarius surgiu como um desdobramento natural do meu trabalho: levar a fluidez, a transparência e a emoção das aquarelas para a materialidade têxtil. Uma maneira de unir arte, design e arquitetura em uma só linguagem.
DL: Trabalha com uma paleta cromática vibrante. Que importância têm as cores nos seus projetos?
AFJ: As cores têm um papel fundamental nos meus projetos, pois são capazes de transformar completamente a atmosfera de um espaço. Eu trabalho com uma paleta cromática vibrante, pois acredito que a cor traz vida, movimento e energia. Mais do que uma escolha estética, as cores têm o poder de afetar o humor e a percepção de quem habita o ambiente. Elas podem aquecer, suavizar, energizar ou acalmar — e, por isso, sempre as utilizo de forma intencional. Em cada projeto, a cor é escolhida para criar uma narrativa, para dialogar com os materiais e a luz, e para refletir a identidade de quem vai vivê-lo. Ela é o toque final que dá personalidade ao espaço, tornando-o único e emocionalmente conectado com quem o habita.
DL: Como imagina a relação entre quem habita os seus espaços e o ambiente à volta? Que tipo de experiência procura criar?
AFJ: Para mim, a relação entre quem habita o espaço e o ambiente ao redor deve ser fluida e natural. Cada projeto que faço busca criar um equilíbrio entre o ser humano e o espaço, como se ambos se completassem. Acredito que o ambiente deve ser acolhedor, mas ao mesmo tempo inspirador — não apenas funcional, mas também emocionalmente estimulante. Eu procuro que o espaço ofereça uma experiência sensorial rica, onde a luz, a cor, a textura e o som se entrelaçam de maneira harmónica, criando um espaço que não só acolhe, mas também envolve. Quero que quem habita meus projetos se sinta em sintonia com o ambiente, como se o espaço fosse uma extensão de sua própria personalidade e, ao mesmo tempo, um lugar de reflexão e conforto. O objetivo é sempre proporcionar uma sensação de pertença, como se aquele lugar tivesse sido feito sob medida para quem o vive.
A emoção é o que transforma a arquitetura em experiência. Mas ela só faz sentido quando é funcional, precisa e verdadeira.
DL: Vive no Brasil mas trabalha em várias cidades em todo o mundo. Como vê o diálogo entre o design brasileiro e o europeu?
AFJ: Viver no Brasil e trabalhar em diferentes cidades ao redor do mundo me deu a chance de desenvolver um olhar híbrido — enraizado, mas aberto. As referências que trago vêm não só da arquitetura ou do design, mas também dos filmes que vejo, das exposições que visito, da estética dos anos 60 que tanto me inspira, especialmente na decoração e nas artes plásticas. Essa convivência com diferentes culturas me trouxe uma liberdade criativa que me permite transitar entre linguagens com naturalidade. O design brasileiro, com sua leveza, sua materialidade e sua potência sensorial, dialoga lindamente com o rigor e a elegância do design europeu. Gosto de provocar esse encontro nos meus projetos: misturar o calor tropical com a sofisticação formal, a cor vibrante com a estrutura limpa. É nesse trânsito entre referências que meu trabalho encontra seu lugar — num universo mais amplo, mais livre e, acima de tudo, mais universal.
DL: O que o continua a inspirar no trabalho e no quotidiano?
AFJ: “O que me inspira continuamente é o próprio ato de observar. Observar a luz mudando ao longo do dia, os gestos das pessoas nas ruas, as texturas das cidades por onde passo. Também me inspira o silêncio — ele me ajuda a escutar melhor o espaço e a mim mesmo. As conversas com os clientes, os desafios de cada projeto, os acervos que recebo, tudo isso me alimenta. A arte, o cinema, a música, uma paleta de cores inesperada — são pequenas descobertas cotidianas que me movem. E, acima de tudo, o desejo de criar algo que faça sentido, que toque, que transforme. Continuo inspirado pela possibilidade de revelar beleza no essencial e de construir, com cada projeto, uma experiência única de habitar.
DL: Que projetos está a desenvolver atualmente? Há alguma nova área ou colaboração que o entusiasme particularmente?
AFJ: Atualmente, estou envolvido em projetos muito especiais e diversos entre si. Estou finalizando um apartamento em Lisboa, uma casa em Dubai e uma residência em um condomínio em São Paulo — cada um com seu contexto, cultura e desafios únicos. Em agosto, começo um novo apartamento no Rio de Janeiro, cidade que sempre me inspira com sua luz e sua energia. Essas experiências em diferentes geografias têm ampliado meu olhar e me dado a chance de aprofundar ainda mais meu diálogo entre o design brasileiro e outras referências globais. O que mais me entusiasma neste momento é justamente essa possibilidade de transitar entre escalas, culturas e linguagens — e transformar tudo isso em projetos com identidade, alma e permanência.
Antonio Ferreira Junior
Antonio Ferreira Junior é arquiteto, cenógrafo e artista plástico brasileiro, cuja prática se move com naturalidade entre a arquitetura, o design e as artes visuais. Reconhecido pela sua abordagem multidisciplinar e linguagem estética própria, o seu trabalho revela uma sensibilidade artística rara, onde a função e a forma se entrelaçam com precisão e emoção.
Um dos exemplos mais expressivos desta visão é a colaboração com a marca de tapetes Punto e Filo, para a qual criou a coleção Aqquarius. Composta por tapeçarias de parede e tapetes de grafismo geométrico, a coleção bebe inspiração nas décadas de 1960 e 1970, a partir de pinturas assinadas pelo próprio arquiteto. A transposição dessas obras para o universo têxtil evidencia a sua fluidez criativa e domínio sobre diferentes meios expressivos. O resultado são peças vibrantes, com ilusão de tridimensionalidade e um ritmo visual cativante.
Para além do design de interiores e da cenografia, áreas onde constrói narrativas espaciais que desafiam o óbvio, Antonio Ferreira Junior mantém uma produção artística constante, centrada na pintura. A sua obra plástica, marcada por composições gráficas e formas orgânicas, recusa tendências e prefere explorar o território da emoção, do gesto e da cor, numa busca autêntica por novas linguagens visuais.
Com uma carreira marcada pela coerência, mas nunca pela repetição, Antonio afirma-se como uma das vozes mais inquietas e criativas do panorama artístico e arquitetónico contemporâneo, cruzando fronteiras geográficas e disciplinares com elegância e visão.
Arquiteto de formação e artista por extensão natural, Antonio Ferreira Junior move-se entre disciplinas com a mesma precisão com que compõe um espaço. Do Brasil para o mundo, o seu trabalho cruza arquitetura, cenografia e pintura numa linguagem visual marcada pela cor, emoção e identidade. Nesta entrevista, fala-nos do processo, das referências e do desafio de criar espaços que vão além da estética – são projetos com alma e permanência.
Design em Lisboa: Como começou o seu percurso nas artes e na arquitetura? Houve um momento-chave que o levou a seguir esse caminho?
Antonio Feirreira Junior: O meu encontro com a arquitetura foi um desses acasos que parecem guiados pelo destino. Estudei Direito, mas não passei — e hoje vejo isso como um acerto do universo. Foi na Arquitetura que, sem planear, descobri a minha verdadeira morada. Logo nas primeiras disciplinas, percebi que havia ali algo que me pertencia: um talento silencioso que despertava, uma paixão que me surpreendia a cada traço. A arte chegou logo depois, como extensão natural desse novo olhar para o mundo. Desde então, arquitetura e arte tornaram-se os dois lados do meu caminho — expressão e construção do que sou e do que sonho.
DL: Trabalha entre várias disciplinas — arquitetura, cenografia, pintura. Como explora essas práticas no seu dia-a-dia? Alguma delas ocupa um lugar central?
AFJ: Trabalhar entre arquitetura, cenografia e pintura é, para mim, como mover-me entre diferentes paisagens da mesma alma. Cada disciplina tem seu tempo e sua linguagem, mas todas se alimentam mutuamente. A arquitetura é meu eixo central — dá-me estrutura, escala e lógica espacial. A cenografia permite-me explorar o efémero, o sensível, o impacto do instante. E a pintura é meu território mais íntimo, onde as ideias tomam forma sem limites, quase como respiração. No dia a dia, essas práticas se entrelaçam: às vezes, um cenário nasce de um esboço pictórico; outras vezes, uma fachada carrega algo de teatral. Gosto de pensar que, no fundo, todas são formas de contar histórias com espaço, luz e cor.
DL: Que referências mais marcaram o seu olhar — na arte, no design ou na arquitetura? Há nomes ou movimentos que considera estruturantes no seu trabalho?
AFJ: Carrego muitas referências — algumas conscientes, outras quase invisíveis, mas que moldam meu olhar. Na arquitetura, sou profundamente tocado pela obra de Lina Bo Bardi, por sua maneira sensível de unir matéria, cultura e afeto. Também me influenciam os gestos espaciais de Álvaro Siza e a poética silenciosa de Tadao Ando. Na arte, me fascina a liberdade de Hélio Oiticica, a densidade emocional de Rothko e a força narrativa de artistas contemporâneos latino-americanos. Na cenografia, sou inspirado por aqueles que conseguem criar mundos com poucos elementos — onde a luz, o vazio e o detalhe contam mais que a grandiosidade. Não sigo um movimento específico, mas sou guiado por aquilo que provoca sentido, que revela a beleza do essencial e o poder do espaço como linguagem.
DL: Como descreveria a sua abordagem ao design de interiores? O que procura criar quando pensa em um espaço?
AFJ: Minha abordagem ao design de interiores começa com escuta. Procuro entender o desejo de morar do meu cliente — o que ele sonha, o que o move, o que deseja sentir ao habitar. A partir disso, meu papel é transformar esse sonho em realidade, respeitando e valorizando seu acervo, suas histórias e seus afetos. Acredito que o lar deve refletir quem ali vive, e não apenas uma estética idealizada. Gosto de criar espaços com alma, onde cada escolha faz sentido e carrega algo de pessoal. É nesse diálogo entre o essencial e o emocional que nasce um ambiente verdadeiro — funcional, belo e cheio de identidade.
DL: A materialidade, a luz, a cor — são elementos essenciais no seu trabalho. Por onde começa quando desenha um novo projeto?
AFJ: A minha assinatura está profundamente ligada à cor e ao mobiliário moderno brasileiro — são elementos que atravessam meu trabalho e que revelam minha identidade estética. Já na primeira entrevista com o cliente, procuro introduzir essas referências, sempre com sensibilidade, buscando compreender como elas podem dialogar com outras linguagens contemporâneas. Para mim, o desafio e a beleza do projeto estão justamente nesse equilíbrio: conciliar o afeto pela tradição com a fluidez do presente. É essa harmonia entre o clássico e o atual que confere aos meus projetos um resultado intemporal — onde cada espaço carrega história, mas também respira o agora.
DL: A emoção tem um papel importante no seu processo criativo. Como equilibra intuição e funcionalidade nos espaços que projeta?
AFJ: “A emoção está sempre presente no meu processo criativo — é o que dá sentido ao espaço, o que transforma a arquitetura em experiência. Mas ela não existe sem função: a beleza só é completa quando serve bem a quem habita. Procuro equilibrar intuição e funcionalidade ouvindo o espaço e quem vai vivê-lo. Às vezes, uma ideia nasce de um sentimento ou de uma memória trazida pelo cliente — e é a partir disso que desenho, organizo, dou forma. A técnica, a proporção, o conforto são ferramentas que uso para que essa emoção não se perca, mas se materialize de forma precisa. No fim, o que busco é criar espaços que toquem — que sejam belos, sim, mas sobretudo verdadeiros.
A arquitetura foi onde descobri minha verdadeira morada — um talento silencioso que despertava, uma paixão que me surpreendia a cada traço.
DL: A coleção Aquarius, para a Punto e Filo, parte de pinturas suas. Como surgiu essa ideia de transformar telas em tapeçarias e tapetes?
AJF: A coleção Aquarius nasceu de um processo muito intuitivo. Comecei pintando aquarelas, sem ainda imaginar que poderiam se transformar em objetos para o espaço. Quando compartilhei essas obras com a Punto e Filo, eles me disseram que, tecnicamente, seria possível traduzi-las tanto em tapetes quanto em tapeçarias de parede. A ideia me encantou de imediato. Sempre acreditei que a arte não precisa ficar restrita às paredes — ela pode ser vivida, pisada, tocada, integrada ao cotidiano. Assim, Aquarius surgiu como um desdobramento natural do meu trabalho: levar a fluidez, a transparência e a emoção das aquarelas para a materialidade têxtil. Uma maneira de unir arte, design e arquitetura em uma só linguagem.
DL: Trabalha com uma paleta cromática vibrante. Que importância têm as cores nos seus projetos?
AFJ: As cores têm um papel fundamental nos meus projetos, pois são capazes de transformar completamente a atmosfera de um espaço. Eu trabalho com uma paleta cromática vibrante, pois acredito que a cor traz vida, movimento e energia. Mais do que uma escolha estética, as cores têm o poder de afetar o humor e a percepção de quem habita o ambiente. Elas podem aquecer, suavizar, energizar ou acalmar — e, por isso, sempre as utilizo de forma intencional. Em cada projeto, a cor é escolhida para criar uma narrativa, para dialogar com os materiais e a luz, e para refletir a identidade de quem vai vivê-lo. Ela é o toque final que dá personalidade ao espaço, tornando-o único e emocionalmente conectado com quem o habita.
DL: Como imagina a relação entre quem habita os seus espaços e o ambiente à volta? Que tipo de experiência procura criar?
AFJ: Para mim, a relação entre quem habita o espaço e o ambiente ao redor deve ser fluida e natural. Cada projeto que faço busca criar um equilíbrio entre o ser humano e o espaço, como se ambos se completassem. Acredito que o ambiente deve ser acolhedor, mas ao mesmo tempo inspirador — não apenas funcional, mas também emocionalmente estimulante. Eu procuro que o espaço ofereça uma experiência sensorial rica, onde a luz, a cor, a textura e o som se entrelaçam de maneira harmónica, criando um espaço que não só acolhe, mas também envolve. Quero que quem habita meus projetos se sinta em sintonia com o ambiente, como se o espaço fosse uma extensão de sua própria personalidade e, ao mesmo tempo, um lugar de reflexão e conforto. O objetivo é sempre proporcionar uma sensação de pertença, como se aquele lugar tivesse sido feito sob medida para quem o vive.
A emoção é o que transforma a arquitetura em experiência. Mas ela só faz sentido quando é funcional, precisa e verdadeira.
DL: Vive no Brasil mas trabalha em várias cidades em todo o mundo. Como vê o diálogo entre o design brasileiro e o europeu?
AFJ: Viver no Brasil e trabalhar em diferentes cidades ao redor do mundo me deu a chance de desenvolver um olhar híbrido — enraizado, mas aberto. As referências que trago vêm não só da arquitetura ou do design, mas também dos filmes que vejo, das exposições que visito, da estética dos anos 60 que tanto me inspira, especialmente na decoração e nas artes plásticas. Essa convivência com diferentes culturas me trouxe uma liberdade criativa que me permite transitar entre linguagens com naturalidade. O design brasileiro, com sua leveza, sua materialidade e sua potência sensorial, dialoga lindamente com o rigor e a elegância do design europeu. Gosto de provocar esse encontro nos meus projetos: misturar o calor tropical com a sofisticação formal, a cor vibrante com a estrutura limpa. É nesse trânsito entre referências que meu trabalho encontra seu lugar — num universo mais amplo, mais livre e, acima de tudo, mais universal.
DL: O que o continua a inspirar no trabalho e no quotidiano?
AFJ: “O que me inspira continuamente é o próprio ato de observar. Observar a luz mudando ao longo do dia, os gestos das pessoas nas ruas, as texturas das cidades por onde passo. Também me inspira o silêncio — ele me ajuda a escutar melhor o espaço e a mim mesmo. As conversas com os clientes, os desafios de cada projeto, os acervos que recebo, tudo isso me alimenta. A arte, o cinema, a música, uma paleta de cores inesperada — são pequenas descobertas cotidianas que me movem. E, acima de tudo, o desejo de criar algo que faça sentido, que toque, que transforme. Continuo inspirado pela possibilidade de revelar beleza no essencial e de construir, com cada projeto, uma experiência única de habitar.
DL: Que projetos está a desenvolver atualmente? Há alguma nova área ou colaboração que o entusiasme particularmente?
AFJ: Atualmente, estou envolvido em projetos muito especiais e diversos entre si. Estou finalizando um apartamento em Lisboa, uma casa em Dubai e uma residência em um condomínio em São Paulo — cada um com seu contexto, cultura e desafios únicos. Em agosto, começo um novo apartamento no Rio de Janeiro, cidade que sempre me inspira com sua luz e sua energia. Essas experiências em diferentes geografias têm ampliado meu olhar e me dado a chance de aprofundar ainda mais meu diálogo entre o design brasileiro e outras referências globais. O que mais me entusiasma neste momento é justamente essa possibilidade de transitar entre escalas, culturas e linguagens — e transformar tudo isso em projetos com identidade, alma e permanência.
Antonio Ferreira Junior
Antonio Ferreira Junior é arquiteto, cenógrafo e artista plástico brasileiro, cuja prática se move com naturalidade entre a arquitetura, o design e as artes visuais. Reconhecido pela sua abordagem multidisciplinar e linguagem estética própria, o seu trabalho revela uma sensibilidade artística rara, onde a função e a forma se entrelaçam com precisão e emoção.
Um dos exemplos mais expressivos desta visão é a colaboração com a marca de tapetes Punto e Filo, para a qual criou a coleção Aqquarius. Composta por tapeçarias de parede e tapetes de grafismo geométrico, a coleção bebe inspiração nas décadas de 1960 e 1970, a partir de pinturas assinadas pelo próprio arquiteto. A transposição dessas obras para o universo têxtil evidencia a sua fluidez criativa e domínio sobre diferentes meios expressivos. O resultado são peças vibrantes, com ilusão de tridimensionalidade e um ritmo visual cativante.
Para além do design de interiores e da cenografia, áreas onde constrói narrativas espaciais que desafiam o óbvio, Antonio Ferreira Junior mantém uma produção artística constante, centrada na pintura. A sua obra plástica, marcada por composições gráficas e formas orgânicas, recusa tendências e prefere explorar o território da emoção, do gesto e da cor, numa busca autêntica por novas linguagens visuais.
Com uma carreira marcada pela coerência, mas nunca pela repetição, Antonio afirma-se como uma das vozes mais inquietas e criativas do panorama artístico e arquitetónico contemporâneo, cruzando fronteiras geográficas e disciplinares com elegância e visão.